É possível ser feliz e bem informado
Segue a cena: antes de começar a trabalhar, você resolve dar uma olhada em um portal de notícias. E acaba se deparando com uma tragédia, uma polêmica, uma fofoca. Daí você entra no Twitter para ver o que estão falando sobre o assunto, seja qual for. Um link leva a outro, que leva a uma análise (às vezes precipitada), a uma timeline recheada de posts de amigos comentando o tal assunto. Quando você percebe, o tempo passou – e talvez você tenha até perdido a noção dele. A respiração está mais curta, sua cabeça, fervendo, e às vezes bate até uma ansiedade, um medo do futuro. Fica difícil se concentrar para fazer seu trabalho, e às vezes dá uma sensação de “e agora, o que eu faço já que sei de tudo isso?”.
Bem-vindos ao mundo da sobrecarga de informação. Quem já se sentiu sugado pelo ciclo sem fim das notícias que chegam para nós 24 horas por dia, 7 dias por semana?
Essa sensação não é nada nova. “Existe algum lugar na Terra isento desses enxames de livros novos?”, reclamou Erasmus em 1525. Já o volume de informação que disputa nossa atenção, este sim é bem diferente.
Quais efeitos o excesso provoca em nossas emoções? E em nossa saúde? Como fica a nossa capacidade de concentração? E o que acontece com a nossa visão de mundo?
Vamos pensar juntos sobre as respostas a essas perguntas e também sobre como navegar em meio ao excesso de consumo de informação em que vivemos. Notem que escrevemos “excesso de consumo”, porque muitas vezes passamos o dia lendo a mesma notícia repetidamente.
Pra começar, queremos saber: Você já se questionou sobre como é a sua relação com o consumo de notícias? Já pensou sobre ela ou vai meio que no automático?
Por que lemos tanta notícia?
Estar bem informado é quase um símbolo de status. Tentamos ficar por dentro das séries que estão bombando, ler os livros que aparecem na timeline. As notícias, então, é só chegar na roda de conversa, ouvir alguém comentando pra rapidamente completar com um “ah, tô sabendo” – quando, muitas vezes, a verdade é que não passamos nem da leitura do título da matéria.
Às vezes dá a impressão de que a internet – de um campo de múltiplos gostos e possibilidades – se tornou um funil de experiências semelhantes, não acham? Um ciclo de repetição, impulsionado pelos algoritmos e pelos nossos comportamentos tão humanos, inclusive em relação a notícias. Vamos entender por que temos essa necessidade de estar por dentro quando o assunto é informação? Confira a seguir, uma fala de Ethan Zuckerman, diretor do centro de Civic Media do MIT, com os quatro principais motivos pelos quais temos tanta sede de notícias.
– Tédio:
“Nós estamos entediados. As notícias rápidas estão constantemente mudando, sendo atualizadas e nos dando algo para consumir.”
– Disponibilidade:
“A notícia está sempre disponível. A mídia nos treinou para esperar notícias rápidas como a maneira padrão de nos mantermos informados.”
– Capital social:
“Consumindo constantemente, sempre temos algo novo para compartilhar com amigos e colegas, posicionando-nos como conhecedores.”
– Maratona:
“Abordamos as últimas notícias como o próximo capítulo de um grande romance: estamos desesperados para descobrir o que acontece a seguir e seguir a narrativa até sua conclusão, o que nos mantém clicando em atualizações mais recentes assim que possível. Já que elas estão disponíveis.”
Você sabe o que é “infoxicação”?
Infoxicação ou sobrecarga de informação: nomes diferentes para sentimentos que você já deve ter experienciado. Se liga nos sintomas.
- Dificuldade em entender um problema e efetivamente tomar decisões: geralmente associado ao excesso de informações sobre o tema;
- Sentimento de que não temos tempo de entender o que estamos lendo: entender é diferente de apenas ler –entender é fazer uma introdução a você mesmo sobre o conceito, é conectar ideias e, a partir disso, conseguir atuar (ou pensar);
- Baixa retenção do que se lê: consequentemente, pouca memória também;
- Estar sem presença: olhar sem ver, ouvir sem escutar, dificuldade de se concentrar em tarefas simples;
- Sentimento de estresse, cansaço, ansiedade e tensão: mesmo que sem uma questão aparente.
Seria possível então se imunizar contra a infoxicação? Apesar de desafiadora, essa tarefa passa pela retomada do nosso poder de escolha e por disciplina também. A seguir vamos conversar sobre quais podem ser os antídotos para esse sentimento.⠀⠀
Menos notícia, mais sanidade
Ninguém nos pegou pela mão e nos ensinou a navegar na internet, tampouco nessa onda de excesso de consumo de informação. Vamos tentar fazer isso juntos? Não é porque a informação está disponível que precisamos consumi-la imediatamente. ⠀⠀⠀
Clay Johnson, em seu livro “A dieta da informação”, nos inspira: “Nós precisamos ter a habilidade de pensar criticamente sobre a informação que recebemos e usar as melhores ferramentas para processar informação de forma efetiva. A internet é a grande criadora de ignorância que a humanidade já criou, assim como é a grande eliminadora dessa ignorância. É a nossa capacidade de filtrar que elimina a primeira e empodera a última”.
Vamos tentar criar uma rotina mais saudável e inteligente de consumo de notícias? Com base em leituras e em experiências pessoais, separamos uma lista de antídotos para a infoxicação.
O mundo está cada vez pior? Não!
As coisas vão mal, e parece que estão piorando, certo? Os ricos ficam mais ricos, e os pobres, mais pobres. Os recursos naturais logo vão acabar, a menos que façamos algo drástico. Dá uma angústia só de pensar, não é mesmo?
Foi por querer mostrar que o estado atual do mundo não é exatamente esse que o médico e estatístico Hans Rosling escreveu o livro “Factfulness: o hábito libertador de só ter opiniões baseadas em fatos”. Por meio de dados, ele mostra que, passo a passo, ano a ano, o mundo está melhorando. Não em cada uma das estatísticas, não em todos os anos, mas melhora como regra. Segundo os dados, apesar de enfrentarmos enormes desafios, fizemos tremendo progresso. Hans defende que essa é a visão de mundo baseada em fatos. ⠀⠀
“Precisamos lembrar-nos de que informações sobre ventos ruins têm muito mais chances de chegar até nós. Quando as coisas estão melhorando, nós frequentemente não ouvimos nada a respeito. Isso nos dá sistematicamente uma impressão excessiva de negatividade do mundo ao redor, o que é bastante estressante. Todo grupo de pessoas que eu questiono pensa que o mundo é mais assustador, mais violento e menos esperançoso –em suma, é mais dramático- do que realmente é”.
Se para você isso parece otimista demais, saiba que várias pesquisas mostram que nossas opiniões na maioria das vezes estão muito distantes da realidade. Inclusive, você sabia que o Brasil é o segundo país do mundo em que as pessoas mais têm a percepção equivocada sobre a realidade? Essa informação faz parte da pesquisa “Os perigos da percepção”, do instituto Ipsos Mori.⠀
“Tenha em mente que as mudanças positivas podem ser mais comuns, mas elas não chegam até você. Você precisa descobri-las. (E, se você olhar as estatísticas, elas estão em toda parte.) Esse lembrete lhe dará a proteção básica que lhe permitirá continuar assistindo ao noticiário sem ser arrastado diariamente para a distopia.” Elucida Hans Rosling.
Então, quando receber alguma notícia terrível, acalme-se fazendo estas perguntas:Se tivesse acontecido uma melhora igualmente grande, eu teria ouvido algo a respeito? Se tivesse havido centenas de melhorias ainda mais significativas, eu teria ficado sabendo?
Lembre-se: ler que o mundo está melhorando não quer dizer que simplesmente podemos cruzar os braços, mas sim que também não precisamos viver com a visão catastrófica que nos é vendida a todo tempo. É claro que nem tudo está bem e que ainda precisamos batalhar muito. Mas será que é produtivo e saudável desviarmos o olhar do progresso que tem sido feito? “Eu enxergo todo esse progresso, e ele me enche de convicção e esperança de que mais progresso é possível. Isso não é ser otimista. É ter uma ideia clara e razoável a respeito de como as coisas são. É ter uma visão de mundo que é construtiva e útil”, afirma Rosling.
Não existe informação grátis: apoie canais de mídia
Por mais que tenhamos nos acostumado a consumir informação gratuita na internet, a realidade é que, se todo mundo fizer isso, a conta não fecha. Para criar notícias de qualidade, existe um grande investimento. Você já pensou em apoiar os canais que acompanha? Pode ser o jornal tradicional, mas pode também ser o youtuber de quem você não perde um vídeo. Precisamos apoiar o jornalismo de qualidade, assim nos protegemos do cenário de fake news ou da informação que existe só para reforçar o que já sabemos. Canais como o @catarse e o @apoiase ajudam nessa tarefa. Por meio deles, é possível apoiar um criador de conteúdo todo mês, por meio de financiamento recorrente.
Caso não dê para contribuir com grana, espalhe o conteúdo que você gosta para mais gente. Afinal, repercussão gera notoriedade, e essa moeda também vale muito na era em que vivemos. Comente, salve, compartilhe, apresente pra mais gente aquilo que te beneficia, te informa, te faz refletir. Assim vamos construindo #ainternetqueagentequer.
Você também é canal de notícias: saiba como aprimorar-se
Quer a gente tenha essa consciência ou não, todos somos canais de notícias. Nesse momento tão difícil em que o mundo vive uma pandemia precisamos ter ainda mais consciência.
Com isso em mente, podemos compartilhar informação com mais cuidado, a favor de contribuir para o que queremos ver florescer no mundo – e também de ter um pouco mais de responsabilidade sobre a saúde mental de quem te acompanha. Você pode se questionar: eu confiaria no que divulgo?
Tenho compromisso em checar minhas fontes antes de passar uma informação adiante? Para a criação de qual visão de mundo contribuo ao escolher divulgar isso? Ao se indignar com uma notícia, você pode fazer mais do que passá-la para frente. Pode divulgar o oposto: quem está contribuindo para a causa que você acredita. Com certeza essas iniciativas positivas precisam de muito mais mídia e atenção para fazer um trabalho cada vez melhor e mais abrangente.
Não temos a consciência de como o que postamos chega para quem nos lê, mas postamos mesmo assim. E aí, as ideias, notícias ou pessoas que gostaríamos que fossem desprezadas, ignoradas ou ridicularizadas ganham um alcance e uma publicidade maior do que seus autores poderiam sonhar (ou pagar). E quem está fazendo esse bem às avessas em grande parte são as pessoas que mais desejam lutar contra.
A alfabetização digital também significa aprimorar nossa habilidade de comunicar e trocar informação com os outros. Ao produzir um post, fazer um blog, um canal no YouTube, você vai afiando a sua mente, tendo mais clareza do que quer falar e como. Se vamos publicar algo, é natural que nos aprofundemos no assunto e pensemos na melhor maneira de abordá-lo. Começar a pensar em você mesmo como um importante meio de comunicação é um bom primeiro passo para ter um rigor e um compromisso com o que você decide passar adiante e com o que você decide agregar no mundo.
Historicamente, nos encontramos no seguinte momento: entre um aumento repentino no fluxo de informações e aguardando o desenvolvimento de ferramentas que possam nos permitir lidar melhor com elas. O problema do excesso de informação é que ainda precisamos desenvolver técnicas poderosas o suficiente para nos ajudar a navegar nesse dilúvio de dados digitais.
Muito progresso já foi feito. Temos os incríveis mecanismos de busca, os filtros personalizados usados por inúmeros serviços que nos sugerem conteúdo com base em nosso consumo anterior. Mas há claramente espaço para muitas melhorias.
Para combater a sensação e os efeitos do excesso, nós mesmos seremos parte da mudança que queremos ver. O número de informações não vai diminuir, muito pelo contrário. Quais serão então as tecnologias capazes de nos fazer lidar de forma mais saudável com o consumo? Quais habilidades precisarão ser desenvolvidas pelos profissionais que vão encarar esse desafio? E mais: quais alterações em modelos de negócios gostaríamos de ver para que deixemos de ser um produto na economia da atenção?
Você já imaginou qual pode ser uma parte da solução na criação dessa nova internet? Você tem conseguido, nesse momento tão estranho e único que temos vivido, usar a rede como ponte para furar sua bolha, se conectar com quem importa, ler notícias mantendo sua sanidade?
Somos nós que vamos criar essa nova internet, mais gentil com nossas emoções e com a nossa vida.