Além do impacto no meio ambiente, qual é o impacto do digital na sociedade?
O urbanista, educador e pesquisador de tecnologia Lucas Girard alerta: “Muito do que hoje chamamos de “tecnologia”, são de fato a face cultural de operações financeiras globais. Nós, os consumidores, ficamos balançando nos maremotos sociais produzidos por essas operações sem saber muito bem o que está acontecendo, achando que tudo é ”tecnologia”. O que tem ficado cada vez mais claro é que o digital – sempre confundido com “tecnologia” – virou um grande laboratório de análise comportamental, de proposição e indução de novos comportamentos sociais: novos jogos e rotinas estão sendo sugestionadas e implementadas em escala global, desde Pokemon Go até Cambridge Analytica.”
Influenciável? Eu?
Sim, todos nós. Lucas continua: “Gosto de usar o exemplo do Uber, para ilustrar o poder indutor de comportamentos do software: um “simples” app conseguiu mudar o nosso comportamento a ponto de entrarmos no carro de um estranho e aceitarmos uma bala, duas coisas que nossas famílias com certeza falaram mais de uma vez para não fazermos. A coisa é poderosa nesse nível, pois consegue mapear os espaços de disponibilidade em nossas vidas.”
Quais tipos de inovação estamos incentivando?
Não há dúvida que algumas das tecnologias mais recentes trouxeram mais praticidade e eficiência para as nossas vidas. Mas ao fazer isso elas de fato resolvem um problema? A que custo? E quem paga essa conta?
Lucas Girard, urbanista, educador e pesquisador de tecnologia, afirma: “O que tem produzido essa precarização do meio ambiente e comportamentos passivos que aceitam qualquer novidade é um cotidiano muito sofrido. Essas tecnologias são vistas como resposta a grandes problemas socioambientais de hoje: custo de vida e falta de tempo. Assim as tecnologias se transformam em um bálsamo, onde as dificuldades meio que desaparecem nessa tela lisa, em serviços sem atrito. Tudo isso tem uma ação balsâmica, como a de um ansiolítico. Também imagina: a possibilidade de eu simplesmente passar a mão numa superfície e desencadear uma série de ações é um baque psicológico, né?”.
Como antídoto para a normose, Lucas relembra o trabalho de Neil Postman, autor, educador, teórico de mídia e crítico cultural que pesquisou sobre o impacto da tecnologia nos anos 1980. “Desde esta época, ele defendia que devemos fazer uma série de perguntas para qualquer tipo de nova tecnologia: que problema ela vem resolver? De quem é o problema que ela resolve? Que outros problemas ela cria ao resolver aquele problema? Quais impactos que isso tem em outros setores? E assim por diante. Mas o pensamento crítico é difícil numa lógica de produção intensiva: é difícil parar para fazer perguntas.”
Ele continua: “Para mim um dos maiores impactadores do clima é o workaholic e a cultura de trabalho doentia em uma corrida por ‘inovação’. O momento que vivemos é o efeito dessa sociedade acelerada que acontece em tempo real. A velocidade dos processos de decisão está mandando a gente para o buraco. Precisamos tomar decisões dentro de uma amostragem muito maior de variáveis. Eficiência não é velocidade.”
Para finalizar a série de conteúdo sobre os #impactosdodigital, Lucas Girard, urbanista, educador e pesquisador de tecnologia, reflete sobre o excesso. “Acredito que internet ilimitada é um pouco equivalente a uma torneira aberta. Ter acesso a internet ilimitada estimula um comportamento impensado e involuntário. Por que? Porque é ilimitada. Porque não pode parar. E aí o que a gente faz? Usamos essa ferramenta maravilhosa que tem apoio em dezenas de milhares de satélites fora do planeta, que tem um campo infraestrutural de escala mundial, que tem uma geopolítica complexa e belicosa, que tem minérios, que tem muito trabalho humano envolvido e usamos toda essa potência pra jogar nosso tempo fora? As pessoas não sabem o custo real dos hábitos digitais delas. Quando elas souberem, elas vão cair duras. Porque não é sobre a sua conta de internet que chega no final do mês. São as infinitas contas associadas em todo o planeta. É sobre o acidente porque você estava no Whatsapp no carro. É o tempo que você deixou de conversar com o teu filho, que é uma coisa que você vai se arrepender amargamente. O digital é expert em ocupar espaços vazios. Qual é o espaço que esse ecossistema digital está ocupando em nossas vidas?”